terça-feira, 3 de maio de 2016

Criança tem zumbido?

Querem saber se criança tem zumbido? Siiiiiiiim! Se vocês nunca viram uma delas, provavelmente vão duvidar... mas vamos aos argumentos:


A) Tive a oportunidade de orientar o doutorado da Dra Cláudia Coelho que, junto com a fono Sandra Weber, testaram 506 crianças de 5 a 12 anos, em escolas públicas ou privadas no interior do Rio Grande do Sul. Sabendo que crianças têm tendência de gerar falsos positivos para agradar os examinadores, nosso questionário tinha 3 critérios de rigor para considerarmos que uma criança da pesquisa tinha zumbido. Ela tinha que: 1) responder SIM para a pergunta "você ouve algum barulhinho nos seus ouvidos quando está tudo em silêncio?"; 2) saber descrever COMO era o som; 3) saber descrever ONDE o ouvia (lado do ouvido ou cabeça). Ficamos surpresas de constatar que 37% dessas 506 crianças tinham a percepção de zumbido (Coelho CCB, Sanchez TG, Tyler R. Tinnitus in children and associated risk factors. Prog Brain Res. 2007;166:179-91).

B) Depois dessa experiência, meu pensamento era "se as crianças têm mais zumbido do que o percentual obtido nas pesquisas de prevalência na população geral - que nem incluem crianças! - então, os adolescentes também devem ter!". Lá fomos nós buscar essa resposta... na pesquisa com 170 adolescentes de 12 a 17 anos, vimos que: 1) usando um questionário como instrumento para saber a resposta à pergunta "você tem ou teve zumbido nos últimos 12 meses?", constatamos que 54,7% deles responderam SIM, além de terem esclarecido como era o som, onde o percebiam (ouvidos ou cabeça) e em que situações ele aparecia; 2) quando colocados dentro da cabina acústica para medir a audição, 28,8% deles também foram capazes de fazer acufenometria (medida da frequência e intensidade do zumbido) porque o estavam percebendo naquele preciso momento! Resumindo: mesmo considerando apenas a taxa de zumbido obtida dentro da cabina (que foi o trunfo desse trabalho), DE NOVO vimos uma prevalência de zumbido muito maior do que a relatada nos estudos com a população geral. Esse trabalho completo até foi dividido em duas publicações: Sanchez TG, Oliveira JC, Kii MA, Freire K, Cota J, Moraes FV. Tinnitus in adolescents: the start of the vulnerability of the auditory pathways. Codas. 2015;27(1):5-12 e Sanchez TG, Moraes FV, Casseb J, Cota J, Freire K, Roberts LE. Tinnitus is associated with reduced sound level tolerance in adolescents with normal audiograms and otoacoustic emissions. Sci Reports, no prelo).

Então, se zumbido é mais comum do que o esperado em crianças e adolescentes, por que eles não chegam aos nossos consultórios? Simples! Ficou claro que eles não têm incômodo e nem contam aos pais - geralmente porque acham que “é normal” ou que “todo mundo tem” ou porque dormem com a TV ligada. Com isso, existe uma habituação/adaptação espontânea ao zumbido nessas faixas etárias, gerando menos repercussão negativa na qualidade de vida (esse é o lado bom da coisa ruim). Por outro lado, deixar de investigar a tratar precocemente são os fatores primordiais para incentivar a cronicidade, tornando uma boa resposta a um eventual tratamento potencialmente mais difícil no futuro.

Para finalizar, faço um convite a vocês: que tal incluir uma perguntinha básica na anamnese de crianças ou adolescentes: “Você ouve algum som nos seus ouvidos/cabeça quando está tudo em silêncio?”. Isso é válido para otorrinos, fonos, pediatras, hebiatras, psicólogos, etc. Eles conseguem ser bem precisos nas respostas e certamente avançaríamos mais nesse tópico intrigante.